sexta-feira, 19 de novembro de 2021

 

HELENA, TIA QUERIDA

 

 

 

Tu tens sido homenageada como a professora, a política e a feminista que foste antes mesmo de o termo ter se popularizado, mas aqui queremos te reverenciar como a nossa tia.

Teu carinho, dedicação e influência estão presentes na vida de cada uma de nós, da infância aos dias de hoje, embora, já há algum tempo, tenhas atravessado a ponte para o outro lado da vida.

Na infância, o carinho e a dedicação em brincadeiras, passeios ou ensinando a desenhar, ampliar figuras ou colorir cadernos próprios para cada idade. Que delícia! Foste a nossa fada-madrinha nas horas de aperto, sempre amenizando nossas travessuras. Pena que, no dia em que “fizemos a festa” com a tua máquina de escrever, tu não chegaste a tempo!

Os passeios contigo estão vivos na nossa memória: o cinema no Cine Imperial; as peças de teatro onde conhecemos o inesquecível Paulinho; uma ida à Primeira Quadra para um sorvete e, pelo menos, olhar as vitrines da Casa Macedo, o sonho de qualquer criança santa-mariense por décadas. Tu nos levavas ao circo sempre que havia um instalado na cidade. Contigo também assistíamos, no palanque oficial, aos desfiles militares e da mocidade com suas inesquecíveis bandas, tão características na cidade lá pela metade do século passado. Contigo acompanhávamos, até onde era possível, a vida política de Santa Maria.

Havia, entretanto, um fato que a pouca idade não nos permitia entender: por que tu eras tão incompreendida pela família? Também não era claro para nós te vermos quase sempre indiferente a tais críticas e fiel à tua trajetória.

O tempo foi passando, tu embalaste nossos sonhos adolescentes e nos incentivavas a buscas pessoais que possibilitassem, no futuro, sermos mulheres independentes e, como tu, “donas do nosso nariz”. Foi, nessa fase, que começamos a entender porque tu eras tão criticada pela família e pela sociedade: simplesmente, por ser uma mulher à frente do seu tempo!

Já adultas, pudemos aquilatar a tua a importância não apenas nas nossas vidas, mas, sobretudo, a tua contribuição na trajetória de emancipação da mulher e, consequentemente, para a construção de um mundo melhor.

 

Embora te admirando muito, nenhuma de nós seguiu a tua carreira, mas fizemos política no nosso cotidiano profissional, até mesmo no período da ditadura. Espelhadas no teu exemplo, fomos para o mercado de trabalho não como mulheres, mas como profissionais. Com essa postura nunca fomos discriminadas e, no nosso meio de atuação, sem bandeiras partidárias, de certa forma, também fomos políticas. Com certeza, de maneira muito modesta, contribuímos para o atual quadro social em que as barreiras para as mulheres, cada vez mais, têm sido quebradas. Sabemos que ainda há muito a ser feito, mas mudanças sociais se fazem um pouco a cada dia!

Todo esse legado que recebemos de ti passamos para nossos filhos e netos que será repassado, repassado, repassado...

Hoje, 19.11.2021, centenário do teu nascimento, prestamos nosso tributo de amor e gratidão a ti como tia e mulher que, não raras vezes, tem orientado nossas posturas tanto na vida privada como na profissional.

 

Tia Helena, tu deixaste exemplo e saudade, muita saudade...

 

                                         Aliris, Ana Lúcia e Ana Maria

domingo, 20 de junho de 2021

 

CIRANDA DE AFETOS

 

A minha família – Teixeira Porto Alegre – se parece com outras tantas famílias, mas é a mais legal de todas!

Mas, se pensarmos melhor, é sui generis! Todos habitam numa sólida edificação de cinco andares com uma claraboia no centro que, logo cedo, fornece a luz e o calor do sol e, à noite, é coberta por um pálio estrelado.

No quarto e no quinto andar moram antigas relíquias e a saudade. Aquela saudade que acolhe, acalanta, aquece o corpo e a alma. Há a saudade daqueles com quem não compartilhamos a vida, mas aprendemos a amar pelo amor que havia nas histórias que ouvimos na infância e também dos mais próximos por tudo que foram e continuam sendo em nossas vidas.

Lá estão as fotos dos irmãos Porto Alegre (Aquiles, Apeles e Apolinário), da vó Sinhá, a matriarca dos Souza Teixeira e do tio Manduca (seu Duca) sempre nos lembrando sua filosofia, até hoje irrefutável. Há estantes com livros de autoria dos irmãos Porto Alegre, outros de literatura, história e filosofia, muitos de matemática, também revistas e velhos recortes de jornais, certamente do acervo da tia Helena. Estão também os baús onde se encontram coisas inimagináveis que nos encantam, mas sempre úteis como o lindo guardanapo de crochê amarelo feito pela vó Sinhá, conselhos para todas as horas, aquela bandeja de florinhas coloridas já marcada pelo tempo, reflexões sobre a vida e muito mais... Enfim, ensinamentos que ecoam em cada canto e têm nos orientado vida afora.

Os do terceiro andar, hoje, se dedicam principalmente à consultoria que vai da receita de bolo ou tricô à dor de cotovelo; da dúvida de português ou matemática ao adubo para orquídea ou samambaia. Lá tem também maravilha curativa e pomada mágica que curam as dores do corpo e da alma; tem aconchego e caixas e mais caixas de fotografias antigas e nem tão antigas assim; guloseimas que lembram a infância e gavetas para vasculhar com curiosidade e satisfação incontidas. Existe wi-fi, mas o que mais cativa são as amplas salas que convidam ao bate-papo e as grandes mesas de refeição recobertas de sabores que despertam emoções.

O pessoal do segundo andar vive num corre-core incessante. É o horário do trabalho, cuidar das crianças, ler um último artigo antes de fechar o texto da próxima publicação, ir ao supermercado, sem esquecer que as unhas estão reclamando atenção! Precisa tempo para os exercícios físicos e para inspecionar a reforma da cozinha. O carro está sujo, o pet adoeceu, o vento quebrou mais um grande galho do ipê cor-de-rosa e ele precisa de cuidados, o filho reclama atenção, a filha quer saber se ficou bem com o novo corte de cabelo... Correm pra lá e pra cá, enfim vivem intensamente cada faceta de suas vidas, mas sempre reservam tempo para o convívio, o aconchego, o café ou o chimarrão compartilhado, o vinho ao pé da lareira no inverno e, no verão, a cervejinha na varanda que se abre para a claraboia.

O primeiro andar, o mais movimentado e divertido. Lá os eletrônicos imperam: mil jogos, os livros tradicionais sendo substituídos pelos virtuais; celulares com um sem-múmero de aplicativos, músicas altas e agitadas. As angústias dos que adolescem; as certezas dos que pensam tudo saber; as dúvidas persistentes e as paixões passageiras; os sonhos e os encantos acalantados; as emoções e decepções do primeiro amor. Todos muito confiantes em seu andar porque têm a certeza de que os dos andares de cima lhes legaram o que existe de mais importante para trilhar os caminhos da vida: raízes e asas.

Ainda faltou explicar que, no espaço da claraboia, existe uma escada de ferro em caracol para unir todos que habitam essa comunidade, em números, mais feminina que masculina e de relações simétricas que assim se expressam em inconfundível gauchês: mãe, tu.../ vô, tu.../ tia, tu...

É essa constituição familiar que dá a cada um de nós a ousadia de ser quem se deseja e guiar os rumos de nossas vidas, olhar, com orgulho, o passado com seus belos e inconfundíveis exemplos; o presente com determinação, segurança e muito amor; o futuro com a certeza de que as novas gerações saberão se sustentar em suas raízes e usar as asas para voar em busca de seus sonhos.

Amorosamente, Aliris

                                                                                                          03.06.2021

 

 

 

sexta-feira, 21 de maio de 2021

 

TUDO IMPORTA

 

Que nossos pensamentos, palavras e atitudes têm efeito bumerangue, não é novidade para mim, aos 73 anos de idade. Na manhã deste domingo, 10 de janeiro, essa verdade, tantas vezes esquecida, se concretizou diante de mim com toda a clareza do dia ensolarado e me  foi inevitável “filosofar” sobre fatos que, à primeira vista, parecem irrelevantes. Passo, então, a narrar, em breves palavras, o acontecido e a trajetória de meus pensamentos e atos.

                        No meu pátio, tenho uma grande mangueira e a cada ano esse imenso palácio verde, no dizer de Cecília Meireles, que abriga pássaros e insetos de diversas espécies, se enche com seus lindos e suculentos frutos. A abundância é tanta que divido com familiares, amigos, vizinhos e, como ainda são muitas frutas, coloco em caixas na parada de ônibus próxima da minha casa. Enfim, a temporada das mangas (dezembro/janeiro) para mim, se torna um divertido compartilhar que sempre traz surpresas inimagináveis. E, assim como eu, muitos vizinhos fazem o mesmo com as frutas dos seus quintais, o que torna nosso bairro ainda mais especial e solidário e, por isso, tão aconchegante.

Hoje, na minha caminhada habitual, me deparei com duas lindas jacas na beira do caminho! Dias antes a jaqueira carregada já não tinha me passado despercebida. Olhei ao redor e logo entendi! Jacas, mangas e outras frutas já passadas estavam acondicionadas em grandes sacos plásticos para serem levados pelo serviço de limpeza urbana. Mas havia aquelas duas jacas cuidadosamente colocadas na via pública, no caminhozinho que leva ao portão, esperando por quem as quisesse. Diante da interpretação do que vi, na hora, já me senti dona de uma delas! Que delicioso achado!

Como ambas eram muito grandes, não daria conta de carregar nenhuma nem outra. Até em casa, fui pensando nas jacas e qual teria sido a escolhida. Nessa inquietação toda, com a certeza de que uma delas já era minha e de muita gente, resolvi ir, de carro, buscar a preciosidade!

Agora à tarde, a minha jaca já está partida (o que não é tarefa fácil!) e pronta pra ser dividida, enquanto eu estou registrando o fato que movimentou o meu dia, me pôs em contato com pessoas, coisa rara nestes tempos de pandemia e dos novos protocolos das ligações telefônicas. E lembrar que tudo poderia ter passado despercebido, sem a menor importância...

Tanto eu como as pessoas que receberam parte de jaca não teríamos saboreado fruta que raramente faz parte do nosso cardápio e, especialmente aquela, repleta de peculiaridades.

Espero que esta breve reflexão nos sirva não só para aguçar a visão, mas principalmente os sentimentos para tudo e todos que nos rodeiam a fim de que possamos enxergar a beleza nem sempre evidente, mas constante.

E, para finalizar, cabe lembra Saint-Exupéry: “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível para os olhos!”.

 

 

Amorosamente, Aliris

Brasília/2021

 

 

 

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

 

BREVE PENSAR

 


Como Louise Glück foi agraciada com o Nobel de Literatura 2020, dediquei uma tarde chuvosa à leitura de seus poemas. Que tarde linda! Degustei poesias de grande sensibilidade e beleza, andei por caminhos inimagináveis até que me deparei com o poema A íris selvagem. Embora o estivesse lendo pela vez, ele me pareceu familiar. Reli uma, duas vezes...e fui em busca de uma referência àquele familiaridade.

Sem muita demora, estabeleci o elo entre o poema e as últimas páginas do romance As ondas, de Virginia Woolf que lera há pouco, onde a personagem Bernard, após seu voluntário “mergulho na eternidade”, usando palavras de Machado de Assis, expressa sensações semelhantes e, também, sempre entremeadas de referências à natureza, ao iniciar essa jornada.

Foi apenas uma descoberta ao acaso já que não sou crítica literária, sou apenas uma leitora que aguça sentimentos, sensibilidade, atenção para que possa desfrutar, o quanto possível, uma obra literária.

 

Aliris, outubro 2020

 

 

P.S. Transcrevo a seguir o poema citado, mas não as últimas páginas de As ondas pela extensão. Se alguém tiver interesse, entrar em contato comigo pelo e-mail alirisporto@gmail.com .

 

No final do meu sofrimento
havia uma saída.

Me ouça bem: aquilo que você chama de morte
eu me recordo.

Mais acima, ruídos, ramos de um pinheiro se movendo.
Então, nada. O sol fraco
cintilando sobre a superfície seca.

É terrível sobreviver
como consciência,
enterrada na terra escura.

Então tudo acabou: aquilo que você teme,
se tornando
uma alma e incapaz
de falar, encerrando abruptamente, a terra dura
se inclinando um pouco. E o que pensei serem
pássaros lançando-se em arbustos baixos.

Você que não se lembra
da passagem de outro mundo
eu te digo poderia repetir: aquilo que
retorna do esquecimento retorna
para encontrar uma voz:

do centro de minha vida veio
uma vasta fonte, azul profundo.

 

RESENHA






As Ondas, da autoria da inglesa Virginia Woolf, com tradução para o português de Lya Luft, Editora Nova Fronteira, Coleção Grandes Romances, hoje com edição esgotada, disponível somente em sebos, é um clássico para ser lido, relido, pensado, repensado.

Eu o li no início da quarentena e – confesso – como todo clássico precisa ser primeiramente entendido para que se possa abstrair todo o sentido e, assim, chegar à sua essência.

Esse romance nos apresenta seis personagens da infância à maturidade além do silencioso Percival, ao redor de quem gira a vida dos outros, que morreu cedo, mas continuou no meio dos demais. O tema central são as experiências, as identidades e a passagem do tempo sob a ótica da essência espiritual da vida e não de seus aspectos materiais. Não é uma história com começo, meio e fim. Os seis personagens estão imersos em seus monólogos, que a autora chama de “solilóquios dramáticos”, e o mundo é vivido por eles como o lugar da impossibilidade de ser aquilo que gostariam de ter sido.

As sete sessões do livro fazem uma analogia entre as fases do dia, do amanhecer ao anoitecer, e as vozes das personagens da infância à maturidade. Numa prosa – quase poesia – acabamos conhecendo as seis personagens: seus anseios, angústias, amores, decepções.

Embora o romance tenha muito de autobiográfico, Virginia Woolf se afastou, o quanto pôde do pessoal para expressar o coletivo e afirmou que escreveu As Ondas “tendo em vista o ritmo e não o enredo”.

Nas palavras de Marguerite Yourcenar, sua tradutora para o francês, a obra “tanto quanto uma meditação sobre a vida apresenta-se como um ensaio sobre o isolamento humano”.

 

Aliris, outubro de 2020

 

 

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020




MENSAGEM A MEUS FILHOS
(De Aliris para Junior, Raquel e Mauren)


Hoje, com 72 anos, ao fazer uma retrospectiva da minha vida, posso afirmar que meu saldo é positivo, tenho muitas dúvidas e pouquíssimas certezas, uma delas é que tenho mais passado do que futuro e, por isso, vivo o presente da melhor maneira que posso e, na medida do possível, só faço o que gosto.
Nesta já longa caminhada, em se tratando de família, sei o quanto elas mudam: chega gente nova que vai substituindo aqueles que já não estão mais entre nós, as uniões trazem pessoas que antes nem sabíamos que existiam e que logo se tornam também nossos familiares com lugares cativos em nossos corações.
A nossa família, como não poderia deixar de ser, não foge a essa regra e já apresenta novos contornos: gente nova, que nem é mais tão nova – Nonô, Dudu, Bebela e Rodrigo – mas também um fato que abalou todos nós. Esse fato exigiu que extrapolasse meus limites para enfrentar os novos e difíceis desafios. Sei que não apenas eu, mas cada um de vocês vem assumindo papéis que até então não lhes cabiam. Diante disso, sinto que estamos mais e mais unidos para que, juntos, possamos dar conta do que recebíamos pronto, sem preocupação, de forma tão natural que nem percebíamos o que estava subjacente. E, além disso, e principalmente, a dor de cada um de nós ao ver aquele facho de luz que guiava o nosso caminho se tornar, a cada dia, um pouco menos brilhante.
Agora, além do que já havia para fazer, estamos todos diante de uma nova missão: cuidar do nosso cuidador. E ele merece o melhor de cada um de nós, especialmente de mim, sua companheira de jornada há mais de 50 anos. Nesse nosso longo tempo de caminhada, aprendi a conhecê-lo “como a palma de minha mão”; sei o que está sentindo ou pensando apenas pelo olhar, respirar, caminhar.
Neste momento, sinto-me confortável com a herança ética, fraterna, amorosa e prática (não encontrei palavra melhor!) que foi legada a vocês. Cada um tem princípios para nortear sua vida, mas sinto-me no dever de sintetizar em cinco breves tópicos o que talvez vocês ainda não tenham se detido para pensar ou se são coisas que só entendemos com mais idade. Aliás, a idade nos ensina maravilhas!

Como seria bom que os filhos, quando muito jovens, ouvissem os pais. Com certeza, poupariam erros e sofrimentos inúteis, mas ninguém aprende senão com as próprias experiências.

Respeitar sempre o tempo do outro; cada um tem sua própria maturação.

Escolhas são individuais: o que é bom para um nem sempre serve para o outro.

É preciso amar aqueles que amamos sobretudo quando menos merecerem porque é quando mais precisam.

Bom seria se pudéssemos comprar a vida em grandes parcelas, mas só podemos comprar um pouco por dia. (João Cabral de Melo Neto, em citação livre.)

Espero que esta mensagem seja útil a vocês. Compartilhem com Nonô e Rodrigo; com Dudu e Bebela, no momento que julgarem oportuno, eles ainda são tão jovens...

Acredito, sem muita certeza, que tenha conseguido, ao longo da vida, expressar em atos o que hoje recomendo a vocês. Lembrem-se: eu antes de chegar à idade que hoje tenho, tive a idade de vocês e também passei pelas que vocês já passaram. É ... a vida, um eterno continuum!


                                               Amorosamente — outubro 2019

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020


O MUNDO AINDA É JOVEM




Acabo de ler, do sociólogo italiano Domenico de Masi, O mundo ainda é jovem: conversa sobre o futuro próximo com a jornalista Maria Serena Palieri, publicado no Brasil, em 2019, pela Vestígio.
Considero esse livro uma leitura obrigatória para quem quer ver o mundo atual sob uma ótica lúcida e realista. O autor dispensa apresentações ou elogios, já que suas idéias e publicações são, há muito, consagradas mundo afora.
Os assuntos tratados nem sempre são de fácil entendimento pelos leitores não-familiarizados com sociologia, economia ou política, mas suavizados por se tratar de uma conversa do autor com a jornalista. As perguntas e respostas tornam a leitura agradável e até parece, às vezes, que são nossas as perguntas feitas por Maria Serena a de Masi. Trata-se de uma viagem ao futuro próximo através de dez conceitos e seus opostos, concluindo com uma advertência, a de que devemos estar atentos, antes “com desassossego do que com placidez”, já que as mudanças, nos últimos anos, acontecem em velocidade estratosférica.
Os conceitos tratados e seus opostos vão de desorientação e projeto; longevidade e velhice; androginia e gêneros; digitais e analógicos; trabalho e ócio; medo e coragem; engajamento e egoísmo; classe e indivíduo; inteligência e sentimentos a felicidade e leveza.
A leitura de cada capítulo, ou seja, dos conceitos e seus opostos, nos faz refletir sobre o mundo atual com suas profundas mudanças, que, de tão rápidas, na maioria das vezes, não há tempo para se deter numa análise mesmo que superficial. Estamos diante de fatos tão novos que, muitas vezes, dificultam nossa tomada de decisão diante dessa ou daquela situação, hoje vista sob ótica tão diversa daquela de 10 anos atrás.
Domenico de Masi nos lembra que da sociedade rural para a industrial passaram-se cinco séculos; da industrial para a pós-industrial, mais ou menos 200 anos. E, ainda explica que “às tecnologias mecânicas e eletromecânicas vêm se somar as digitais e, agora, a inteligência artificial”. Embora vivamos no melhor dos mundos que já houve, as mudanças ocorrem num turbilhão que, de fato, desorienta e amedronta.
Na atualidade, novos valores e formas de viver fazem parte do nosso cotidiano e frequentam, sem nenhuma cerimônia, nossa vida pública e privada.
A linguagem do diálogo é fluente e clara, a tradução de boa qualidade. Do último capítulo, entretanto, esperava mais. Nele, de Masi tratada basicamente da situação política e social da Itália dos dias de hoje e, com clareza, expressa sua preocupação com o pré-fascismo. Minha expectativa era de uma advertência ampla, de aplicação global, se bem que tal análise pode muito bem se aplicar, mutatis mutandis, a outros países: basta que se reflita sobre a realidade de cada nação.
Ao concluir a leitura, não pude deixar de fazer uma analogia desses novos tempos com a teoria evolucionista de Charles Darwin (1808-1882) — sobretudo em relação aos analógicos — “qualquer espécie animal, inclusive o homem, evolui a partir de formas mais simples ou como necessidade de adaptação ao seu ambiente”.

Aliris Porto Alegre dos Santos
26 de dezembro de 2019